"Babilônia": num retrato da podridão moral do país, o que incomoda é o detalhe da homossexualidade

18/03/2015 13:52

A novela “Babilônia” começou como o seu principal autor (Gilberto Braga) gosta de iniciar novelas: ágil, quase se atropelando de tão ligeira, mostrando a que veio, e mais uma vez procurando retratar as pequenas corrupções da podre sociedade brasileira. Desde “Vale Tudo” que das novelas do autor apenas “Força de um Desejo” fugia (parcialmente) dessa proposta. Aparentemente, diante desses dois episódios, este promete ser o retrato mais agressivo dessa realidade desde a clássica novela de 1988.

A curiosidade dessa vez ficou por conta da excessiva campanha negativa contra a novela observada nas redes sociais. Essa campanha é uma reação da sociedade atestando que não é tão podre quanto o autor a pinta? Alguns querem atestar que sim, mas isso é uma mentira. Essa reação é mais uma prova de que o autor tem razão, e que a sociedade é sim tão nojenta como ele desenha.

Em “Babilônia” vemos uma mulher que tenta casar sua filha com um multimilionário, mesmo que este possua mais do dobro da idade da menina e já tenha uma outra esposa. Vemos também um marido trair uma esposa de resguardo e engravidar uma outra mulher. Vemos um jovem negociar prostitutas de luxo em plena praia. Vemos um assassinato a sangue frio ser engavetado pela polícia sem maiores consequências. Vemos chantagens e humilhações. Vemos o marido mentir para a esposa que vai a um jogo de tênis, quando vai ao encontro de uma prostituta, e ainda vangloria-se do ato diante de seu filho. Essa lista tem sido a razão das queixas dos espectadores? Não. A razão da queixa tem sido o casal de homossexuais vividas pelas atrizes Fernanda Montenegro e Natália Thimberg.

O discurso dos queixosos se baseia no pressuposto de que a novela dá um mau exemplo pra sociedade e é daninha ao conceito de família. Na novela anterior (Império), um filho matou o próprio pai e quase mata sua irmã, no entanto, não vimos nenhuma comoção social. Indo mais longe, em “Avenida Brasil” víamos um marido com três esposas, situação essa que era tratada pelo público com bom humor. Em “Pedra sobre Pedra” (atualmente em reprise no Canal Viva), vemos um homem que tem casos com todas as mulheres casadas da cidade, a personagem de Jorge Tadeu era uma grande piada entre os homens e mulheres da época.

De que forma essas situações não feriam os valores da família e o casal lésbico de “Babilônia” os fere? De forma nenhuma. A sociedade brasileira tem uma tendência a demonizar atitudes como meio de desviar atenção de seus principais problemas, é o que se vê atualmente com a reação a homossexuais nas novelas. Os comportamentos efetivamente daninhos são perdoados, ou melhor, são varridos para debaixo do tapete ao passo que se transforma em escândalos questões que não teriam motivo para causarem tamanha reação. É o clássico comportamento hipócrita. Vamos encontrar alguém para culpar e assim desviarmos a atenção de nossos próprios atos.

Logicamente a intenção dos autores de “Babilônia” não é proliferar os maus comportamentos apresentados na novela, e sim denunciá-los. As traições, crimes e desumanidades não foram criadas pelos escritores, apenas adaptadas da realidade em que vivemos, basta assistir qualquer programa policial dos mais sensacionalistas para observar que histórias do tipo estão espalhadas pela sociedade. No entanto, o comportamento de boa parte da população é negar essa realidade e tentar igualar o casal lésbico com os horrores vistos na novela, pior, dar preponderância ao casal sobre toda a sujeira que a novela mostra. Preponderância? Mas o casal lésbico é, junto ao núcleo da Camila Pitanga, os bastiões da decência dentro da trama!!!

Mas esse é o Brasil que Gilberto Braga pinta há décadas: um país corrupto, hipócrita e cheio de maus hábitos. Esse país que ele pinta é o mesmo que ataca suas novelas no facebook. Um país que ataca personagens decentes devido ao detalhe de sua homossexualidade, enquanto ignora convenientemente toda a podridão que o rodeia.    

Tópico: "Babilônia": num retrato da podridão moral do país, o que incomoda é o detalhe da homossexualidade

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Karla Edelweiss | 22/03/2015

Ei, creia. Haja paciência com essa galera compartilhando postagens de boicote à novela em "defesa dos valores da família cristã". Matar, roubar, trair, prostituir, chantagear e etc não são objeto de repugnância e comoção social, enquanto o amor de duas mulheres de boa índole na terceira idade o é. Dá medo saber que as pessoas enxergam isso mas preferem não admitir, preferem não fazer uma reflexão crítica sobre os temas e comportamentos abordados nas novelas (por medo de encarar os próprios erros e se deparar com as próprias fraquezas) e acabam optando por escolher essa postura hipócrita e cômoda de sempre. Sem querer ser pessimista mas hoje pra mim, contrariando o slogan, o pior do Brasil é o brasileiro. Todos nós e nossas pequenas corrupções e hipocrisias que constituem essa sociedade que aí está.

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