E isso é ruim?
"Contos da Lua Vaga": a família, a guerra e a ganância segundo o folclore japonês
Dois camponeses abandonam suas famílias para tentarem fazer fortuna durante a guerra: um por meio do comércio, outro como combatente. Em suas desventuras os dois descobrem que não há prosperidade na guerra, apenas uma riqueza ilusória e volátil que cobra seu preço alto demais. Com essa fábula simples, mas incisiva e pertinente, retirada do folclore japonês, o cineasta Kenji Mizoguchi realizou um dos filmes mais importantes da história do Japão.
Quando se fala em cinema japonês, o primeiro nome a surgir é o de Akira Kurosawa, e com razão. O diretor teve uma carreira longa, de alto nível e bastante plural, tendo feito filmes de diversos gêneros, de épicos de samurais a contos folclóricos, de versões orientais de clássicos de Shakespeare a crônicas da reconstrução do país, sem falar nos filmes de cunho filosófico. Kurosawa ganhou as plateias do ocidente e representou a indústria do cinema japonesa, que, como toda a indústria do país, foi prodigiosa em se reconstruir durante as décadas de 1950 e de 1960, após a destruição causada pela guerra.
Apesar do grande peso de Kurosawa, acreditar que os méritos cinematográficos do país durante essa época se limitaram ao cineasta é uma inocência. Diversos outros diretores realizaram carreiras menores, mas ainda assim bastante destacáveis, tais como: Kaneto Shindô, Yasujiro Ozu, Kon Ichikawa e Kenji Mizoguchi. Mizoguchi esse que realizou o belíssimo “Contos da Lua Vaga”. O filme tem uma produção simples, afinal, a conjuntura econômica do país não permitia mais que isso, ainda assim é realizado com afinco e inspiração, e é uma fábula que tem muito a deslumbrar até mesmo as plateias do séc. XX
A simplicidade da produção não a impede de ser repleta de ideias destacáveis, como a belíssima transição onde uma gota de água que escorre duma banheira guia a câmera até um encontro em um lago, um corte implícito bem realizado até mesmo para os padrões da tecnologia atual; ou como uma sequência onde uma mulher perfurada por uma lança agoniza com uma criança às costas em primeiro plano, enquanto ao fundo os soldados que a mataram se banqueteam com a comida roubada da moribunda, um take de arrepiar qualquer um ainda hoje.
Menos badalado que o cinema clássico americano, o antigo cinema japonês merece ser visto, pois como diversos clássicos de Frank Capra, Elias Kazan ou Nicholas Ray, ele ainda permanece relevante e atraente.
PS: Tanto “Contos da Lua Vaga” quanto outros clássicos japoneses estão disponíveis na íntegra e legendados em português no YouTube, com qualidade aceitável.